estava mãe (stabat mater)

(2021) 33”
SSAATTBB choir a cappella

 


Program Notes

It all started in 2003, when I discovered the pastels that Paula Rego created for the Chapel of the Palácio de Belém, commissioned by the then President of the Portugal, Jorge Sampaio. In these pastels, Paula Rego portrays moments in the life of Mary, mother of Jesus, in a hypernaturalized and up to date manner. At that time, I thought of composing a “stabat mater” in the same spirit as the pastels, in which each movement somehow mirrored each of Paula Rego’s pastels. Instead of the traditional stabat mater latin text, I chose to use contemporary Portuguese poetry by various authors. I began searching for texts suitable for each image and I found them except for two of the sections. I ended up writing one of the texts myself and for the last section, the “assumption”, I chose not to use text and only have it vocalised, given the theme and the musical idea I had to mirror this canvas.

Lyrics

(Portuguese, English below)
1)
“anunciação”
Encomenda de Isabel Lagoas e Cristina Alfano em memória de Lúcia Lopes.


Só o ombro do anjo
permite a visão
da luz
o sinal
é na mulher o rosto
anuncia
o cortejo solene do sol
que lhe cresce
no colo
o mistério
a flor do lírio
acesa

Poema: “Anunciação”
José Tolentino Mendonça (“Poesia reunida”, Assírio & Alvim)


2)
“natividade”


O que eu vi,
à nascença, foi o céu.
No rasgão da retina,
a desatada luz: o meu segundo oceano.
Aprendi a ser cego
antes de, em linha e cor,
o mundo se revelar.
O que depois vi,
ainda sem saber que via,
foram as mãos.
Parteiros gestos
me ensinaram quanto,
das mãos,
a vida inteira vamos nascendo.
As mãos foram,
assim, o meu segundo ventre.
Luz e mãos
moldaram a impossível fronteira
entre oceano e ventre.
Luz e mãos
me consolaram
da incurável solidão de ter nascido.


Poema: “Cores de parto”
Mia Couto (“Tradutor de chuvas”, Editorial Caminho)


3)
“adoração”
Encomenda de Adelino Rodrigues e Iris Klinzman

Descemos pelos caminhos de xisto solto,
iluminados entre as sombras do luar.
Vimos.
Aqui e ali, por baixo da urze e tojo rastejavam criaturas, à caça...
Ao fundo, junto à ribeira,
vimos um pequeno clarão,
serviu-nos de guia.
Encontramos na gruta
gente em fuga, pernoitavam ali.
Vimos.
A jovem aquecia o recém nascido nos seus braços,
os outros aqueciam-se ao lume.
Deixamos-lhe broa, queijo, nozes, uma capucha de burel,
e seguimos caminho até ao vale.
O som dos chocalhos voava pela serra.


Poem: “Vimos”
pelo compositor


4)
“fuga para o Egipto”

 

Cruzam desertos, mares, florestas,
não poucas vezes a vida,
de um lado para o outro, a vida.


Excerto do poema: “Clube Mediterrâneo, doze fotogramas e uma devoração”
João Pedro Mésseder (“Clube Mediterrâneo, doze fotogramas e uma devoração”, Editora dos Tipos Xerefé)

 

5)
“lamentação”


— oh coração escarpado,
que lhe toquem através do sangue turvo,
nem o amor nem o cego idioma das mães hão-de salvá-lo nunca:
súbito cai o terrífico estio sobre o mundo,
mas só a ele o queimará por entre as searas que amadurecem,
invisíveis, implacáveis,
alta noite

Excerto do poema: “Quem fabrica um peixe fabrica duas ondas”
Herberto Helder (“Obra completa”, Porto Editora)

6)
“pietà”

 

 

Vejo-te ainda, Mãe, de olhar parado,
Da pedra e da tristeza, no teu canto,
Comigo ao colo, morto e nu, gelado,
Embrulhado nas dobras do teu manto.


Sobre o golpe sem fundo do meu lado
Ia caindo o rio do teu pranto;
E o meu corpo pasmava, amortalhado,
De um rio amargo que adoçava tanto.


Depois, a noite de uma outra vida
Veio descendo lenta, apetecida
Pela terra-polar de que me fiz;


Mas o teu pranto, pela noite além,
Seiva do mundo, ia caindo, Mãe,
Na sepultura fria da raiz.


Poema: “Pietà”
Miguel Torga (“Diário X”, 1966, Coimbra)

 

7)
“assunção”

(vocalizado, sem texto)

LYRICS IN ENGLISH
Anunciation
Only the angel's shoulder
allows a vision
of the light
the sign
is in the woman
the face announces
the solemn procession of the sun that grows in her
on the lap
the mystery
the flower of the lily lit

Poem: “Anunciação”
José Tolentino Mendonça (in the book: “Poesia reunida”, Assírio & Alvim)


Nativity

What l saw,
at birth, was the sky.
In the retinal tear,
the unleashed light: my second ocean.
I learned to be blind,
before, in line and color,
the world revealed itself.
What I then saw,
before knowing I could see,
were the hands.
Birthing gestures
taught me how much,
from the hands,
our whole life we keep being born.
The hands were,
thus, my second womb.
Light and hands
shaped the impossible border between ocean and womb.
Light and hands
consoled me
of the incurable loneliness of being born.


Poem: “Cores de parto”
Mia Couto (in the book: “Tradutor de chuvas”, Editorial Caminho.)


Adoration

We walked down the loose schist trails,
lit between shadows of moonlight.
We saw.
Here and there, under the heather and gorse,
creatures crawled, on the hunt…
At the bottom, near the stream,
we saw a tiny glare,
it became our guide.
We found in a cave
people on the run, spending the night.
We saw.
The young woman warmed the newborn in her arms,
the others warmed up by the fire.
We left them bread, cheese, walnuts and a wool cape,
and continued down to the valley.
The sound of sheep bells flew around the mountain.


Poem: “Vimos”
Eugénio Rodrigues (unpublished)


Escape from Egypt

They cross deserts, seas, forests
more than a few times,
life.
From one side to the other,
life.

Excerpt from the poem: “Clube Mediterrâneo, doze fotogramas e uma devoração”
João Pedro Mésseder (in the book: “Clube Mediterrâneo, doze fotogramas e uma devoração”, Editora dos Tipos Xerefé)


Lament

oh rugged heart,
• may it be touched through the murky blood,
neither love nor the blind language of mothers will ever save him:
suddenly falls the dreadful summer upon the world,
but only him will it burn between the ripening harvests,
invisible, ruthless, high night


Excerpt from the poem: “Quem fabrica um peixe fabrica duas ondas”
Herberto Helder (in the book: “Obra completa”, Porto Editora.)


Pietà

I can still see you, Mother,
your empty gaze, of stone and sadness, in your corner,
With me in your arms, dead, naked and cold,
Wrapped in the folds of your cloak.

Over the bottomless wound, on my side,
Was running the deep river of your mourning;
my body spasmed, shrouded, by a sour river that sweetened so.

Then, the night from another life
Slowly descended, desired,by the polar-earth that I’d become;

But your weeping, into the night,
Sap of the earth, was falling, Mother, Into the root’s cold grave.


Poem: “Pietà”
Miguel Torga (in the book: “Diário X”, s/editora, 1966, Coimbra.)


Assumption
(vocalized – without text)


Score Excerpts
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