a estrela (the star)

(2016) 30′
narrator and satb choir – a) two piano version; b) orchestra version
(portuguese or english versions available)


Lyrics

Adaptation of the tale “A Noite de Natal” ("Christmas Eve") by Sophia de Mello Breyner Andresen

(portuguese version)

Narrador(a):

O amigo

Era uma vez uma casa pintada de amarelo com um jardim à volta. No jardim havia tílias, bétulas, um cedro muito antigo, uma cerejeira e dois plátanos. Era debaixo do cedro que Joana brincava. Joana não tinha irmãos e brincava sozinha. Mas de vez em quando vinham brincar os primos ou outros meninos. Mas estes … faziam troça das suas casas de musgo. E Joana tinha muita pena de não saber brincar com os outros. Só sabia estar sozinha. Mas um dia encontrou um amigo. Foi numa manhã de Outubro. Estava todo vestido de remendos e os seus olhos brilhavam como duas estrelas. Joana ...pensou:
«Parece um amigo. É exactamente igual a um amigo.»
E do alto do muro chamou-o:
— Bom dia!
O garoto sorriu e respondeu:
— Bom dia!
Depois Joana perguntou:
— Como é que te chamas?
— Manuel — respondeu ele.
— Eu chamo-me Joana — disse ela.
— O teu jardim é muito bonito – disse o garoto.
Joana desceu do muro, foi abrir-lhe o portão, e foram os dois pelo jardim fora. Joana mostrou-lhe o tanque e os peixes vermelhos. Mostrou-lhe o pomar, as laranjeiras e a horta. E mostrou-lhe a casa da lenha onde dormia um gato. E mostrou-lhe todas as árvores e as relvas e as flores.
— Aqui, — disse Joana — é o cedro. É aqui que eu brinco.
E sentaram-se sob a sombra redonda do cedro. A luz da manhã rodeava o jardim: tudo estava cheio de paz e de frescura. Às vezes do alto de uma tília caía uma folha amarela que dava voltas no ar. Joana foi buscar pedras, paus e musgo e começaram os dois a construir a casa do rei dos anões. Brincaram assim durante muito tempo.
— Meio-dia — disse o garoto — tenho de me ir embora.
— Onde é que tu moras? — perguntou a Joana.
— Além nos pinhais — respondeu Manuel.
— É lá a tua casa?
— É, mas não é bem uma casa. O meu pai morreu. A minha mãe trabalha todo o dia mas não temos dinheiro para ter uma casa.
— Então à noite onde é que dormes?
— O dono dos pinhais tem uma cabana onde de noite dormem uma vaca e um burro e dá-nos licença de dormir ali também.
— E onde é que brincas?
— Brinco em toda a parte. Pode-se brincar em toda a parte — disse Manuel.
— Mas eu não posso sair deste jardim, – disse Joana – volta amanhã para brincar comigo.
E daí em diante todas as manhãs o rapazinho passava pela rua. Joana esperava-o empoleirada em cima do muro. Abria-lhe a porta e iam os dois sentar-se sob a sombra redonda do cedro. E foi assim que Joana encontrou um amigo. Era um amigo maravilhoso. As flores voltavam as suas corolas quando ele passava, a luz era mais brilhante em seu redor e os pássaros vinham comer na palma das suas mãos as migalhas de pão que Joana ia buscar à cozinha.

A festa

Passaram muitos dias, passaram muitas semanas até que chegou o Natal. E no dia de Natal Joana pôs o seu vestido de veludo azul, os seus sapatos de verniz preto e muito bem penteada saiu do quarto e desceu a escada. Quando chegou ao andar de baixo ouviu vozes na sala grande; eram as pessoas crescidas que estavam lá dentro. Joana foi à sala de jantar e deu uma volta à roda da mesa. Os copos já lá estavam. As velas estavam acesas e a sua luz atravessava o cristal. Em cima da mesa havia coisas maravilhosas e extraordinárias: bolas de vidro, pinhas douradas e aquela planta que tem folhas com picos e bolas encarnadas. Era o Natal.
Então Joana foi ao jardim. Porque ela sabia que nas Noites de Natal as estrelas são diferentes. Muito alto, por cima das árvores, era a escuridão enorme e redonda do céu. E nessa escuridão as estrelas cintilavam, mais claras do que tudo. Joana olhava a imensa felicidade da noite no alto céu escuro e luminoso, sem nenhuma sombra. Depois, Joana voltou para casa e foi à cozinha ver a cozinheira Gertrudes, que era uma pessoa extraordinária porque mexia nas coisas mais quentes sem se queimar e nas facas mais aguçadas sem se cortar, e mandava em tudo, e sabia tudo.
— Gertrudes — perguntou Joana, — Que presentes é que achas que eu vou ter?
— Não sei — disse Gertrudes — não posso adivinhar.
— E achas que o meu amigo vai ter muitos presentes?
— Qual amigo? — disse a cozinheira.
— O Manuel — respondeu Joana.
— O Manuel não. Não vai ter presentes nenhuns.
— Não vai ter presentes nenhuns? Mas porquê, Gertrudes?
— Porque é pobre. Os pobres não têm presentes.
Daí a uns minutos apareceram as pessoas grandes e foram todos para a mesa. Tinha começado a festa do Natal. Havia no ar um cheiro de canela e de pinheiro. Em cima da mesa tudo brilhava: as velas, as facas, os copos, as bolas de vidro, as pinhas doiradas. No fim de jantar levantaram-se todos … e entraram na sala. Da árvore de Natal nascia um brilhar maravilhoso que pousava sobre todas as coisas. Um dos primos puxou-a por um braço e disse:
— Joana, ali estão os teus presentes.
Joana abriu um por um os embrulhos e as caixas: a boneca, a bola, os livros de desenhos a cores, a caixa de tintas. As pessoas grandes sentaram-se nas cadeiras e nos sofás a conversar e as crianças sentaram-se no chão a brincar. Até que alguém disse:
— São horas de as crianças se irem deitar.
Então as pessoas começaram a sair.
A casa ficou muito silenciosa. Joana subiu a escada e foi para o seu quarto. Os seus presentes de Natal estavam em cima da cama.
— Uma boneca, uma bola, uma caixa de tintas e livros. Deram-me tudo o que queria. Mas ao Manuel ninguém deu nada.
Joana pôs-se a imaginar o frio, a escuridão e a pobreza na cabana onde Manuel dormia.
«Que frio lá deve estar!», — pensava ela.
«Que escuro lá deve estar!»
«Que triste lá deve estar!»
- Amanhã vou dar-lhe os meus presentes. — disse Joana.
Foi à janela, abriu as portadas e através dos vidros, espreitou a rua. Ninguém passava.
Ao longe via-se uma grande sombra escura: era o pinhal.
«Hoje», pensou Joana, «tenho de ir hoje. Tenho de ir lá agora, esta noite. Para que ele tenha presentes na Noite de Natal.»
Foi ao armário, tirou o casaco e vestiu-o. Depois pegou na bola, na caixa das tintas e nos livros. Apetecia-lhe levar também a boneca, mas ele era um rapaz e com certeza não gostava de bonecas. Joana desceu a escada, saiu para o jardim, atravessou-o, abriu o portão e saiu para a rua.

A estrela

Quando se viu sozinha no meio da rua teve vontade de voltar para trás. As árvores pareciam enormes e os seus ramos sem folhas enchiam o céu de desenhos iguais a pássaros fantásticos. E a rua parecia viva. Não se viam pessoas, só se viam coisas. Mas Joana tinha a impressão de que as coisas a olhavam e a ouviam.
«Para que lado ficará a cabana? Como é que hei-de encontrar o caminho?» - perguntava ela.
Então viu que no céu, lentamente, uma estrela caminhava. E começou a seguir a estrela.
Já no meio do pinhal pareceu-lhe ouvir passos. O barulho dos passos aproximava-se. Até que viu surgir entre os pinheiros um vulto muito alto que vinha ao seu encontro. O vulto parou na sua frente e ela viu que era um rei.
— Boa noite — disse o rei. — Eu chamo-me Melchior. Onde vais sozinha a esta hora da noite?
— Vou com a estrela. — disse Joana.
— Também eu, também eu vou com a estrela. — disse o rei.
Continuaram e de novo ela ouviu passos. E um vulto surgiu entre as sombras da noite.
— Boa noite. Chamo-me Joana e vou com a estrela.
— Também eu — disse o rei —, também eu vou com a estrela e o meu nome é Gaspar.
Continuaram e mais uma vez Joana ouviu um barulho de passos e um terceiro vulto surgiu entre as sombras azuis e os pinheiros escuros.
— Boa noite. O meu nome é Joana. E vamos com a estrela.
— Também eu caminho com a estrela — disse o rei — e o meu nome é Baltasar.
E continuaram a caminhar. Até que chegaram ao lugar onde a estrela tinha parado, por cima de um casebre sem porta. E Joana viu o seu amigo Manuel. Estava deitado nas palhas entre a vaca e o burro e dormia sorrindo.


Coro SATB:
A estrela
Eu caminhei na noite
entre silêncio e frio
só uma estrela secreta me guiava (…)

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(english translation)

Narrator:

a friend

Once upon a time there was a yellow house with a large garden all around it. In the garden there were linden and birch trees, a very old cedar, a cherry tree and two maples. It was below the cedar that Joana played. She had no brothers or sisters and so she played by herself. Once in a while her cousins or other kids would come and play with her. But they, made fun of her moss houses. Joana felt sorry she didn't know how to play with other children. She only knew how to play by herself. But one day she found a friend. It was on an October morning. His clothes were mended and his eyes sparkled like two stars. Joana thought:
“He looks like a friend. He looks exactly like a friend.”
From a high wall she called to him:
— Good morning!
The boy smiled and responded:
— Good morning!
Then Joana asked him:
— What's your name?
— Manuel — he answered.
— My name is Joana — she said.
— Your garden is very beautiful — said the boy.
Joana came down from the high wall and opened the gate and they both went walking thru the garden. Joana showed him the fountain and the red fish. She showed him the orchard, the orange trees and the vegetable garden. She showed him the woodshed where a cat was napping. And she showed him all the trees, grasses and flowers.
— Here, — pointed Joana — is the cedar. Its here where I play.
And they sat under the round shade of the cedar. The garden was bathed by the morning light. Everything was fresh and peaceful. Sometimes, from high up on the linden tree, a yellow leaf would fall and circle through the air. Joana gathered stones, sticks and moss and they started building a house for the king of the elves. They played like that for a long time.
— Twelve o'clock! — said the boy — I must go!
— Where do you live? — asked Joana.
— There in the pine forest — answered Manuel.
— Your house is there?
— Yes, but its not really a house. My father died, my mother works all day but doesn't have enough money for a house.
— Then at night where do you sleep?
— The owner of the pine forest has a hut where his cow and donkey sleep, he lets us sleep there as well.
— And where do you play?
— I play everywhere! — said Manuel — You can play everywhere!
— But I can't leave my garden, — said Joana — come play with me again, tomorrow.
And from that day on, every morning Manuel would walk by Joana's house where she would be waiting, on top of the wall. She would then open the gate and they would go sit in the round shade of the cedar. And thats how Joana found a friend. He was a marvelous friend. The flowers would turn their petals when he passed by, the light was much brighter around him and the birds would eat from his hand the bread crumbs that Joana could gather in the kitchen.


a feast

Days passed, weeks passed and then it was Christmas. On Christmas eve, Joana put on her blue velvet dress, her black varnish shoes and with her hair well combed, she left her bedroom and went downstairs. On the ground floor, she heard voices coming from the large living room, the grown ups had arrived. Joana went to the dining room and walked around the dinner table. The glasses were on the table, the candles were lit and shinned through the crystal. There were wonderful things on top of the table: glass balls, golden pine cones and that plant that has spiky leaves and little red balls. It was Christmas eve.
Then Joana went out to the garden. She knew the stars were different on Christmas night. Very high above the trees was the enormous and round darkness of the sky. In that darkness, the stars sparkled brighter than all else. Joana looked at the immense happiness of the night in the shadowless dark and luminous sky. Then she returned inside and went to the kitchen to speak with Gertrud, the cook, an extraordinary person because she could touch extremely hot pans without burning her fingers and she could work with the sharpest knives without cutting herself, and she could tell everyone what to do, and she knew everything.
— Gertrud, — Joana asked — what presents do you think I will get?
— I don't know! — said Gertrud — I can't guess.
— Do you think my friend will have lots of presents?
— Which friend? — asked the cook.
— Manuel! — answered Joana.
— Manuel? No! He won't get any presents.
— No presents?! But why? — asked Joana.
— Because he is poor and poor children don't receive presents.
Some minutes later the grown-ups appeared and everyone went to the table. Christmas eve feast had begun. In the air was the aroma of cinnamon and pine. Everything sparkled on top of the table: the candles, the knives, the glasses, the glass balls and the golden pine cones. After dinner everyone stood up and went into the living room. The Christmas tree projected a marvelous glow that settled over all things. One of Joana's cousins pulled her by the arm:
— Joana, there are your presents!
She opened one by one, each package and box: a doll, a ball, coloring books and crayons. The grown-ups sat on the chairs and sofas, talking, while the children sat on the floor and played. Until someone said:
— Its time for the children to go to bed.
And the grown-ups started to leave. The house became silent. Joana went upstairs to her bedroom. Her presents were on top of the bed.
— A doll, a ball, coloring books and crayons. I got everything I wanted. But Manuel has no presents.
She tried to imagine the cold and darkness in the hut, and how poor Manuel was.
— It must be really cold — she thought.
— It must be really dark.
— It must be really sad.
— Tomorrow... I will give him my presents.
She went to the window, opened the shutters, and through the glass she looked out at the road. No one was passing by. In the distance she saw a large dark shadow: it was the forest.
— Today! — Joana thought — I must go today! I must go there now, tonight. This way he will have presents for Christmas.
She went to the closet, took out a jacket and put it on. Then, she grabbed the ball, the coloring books and crayons. She thought about taking the doll, but Manuel was a boy and probably didn't like dolls. Joana went downstairs, out onto the garden, crossed it, opened the gate and stepped out onto the road.


a star

Once she found herself alone in the middle of the road, she had the urge to turn back. The trees looked enormous and their bare branches filled the sky with images of fantastic birds. The road looked alive. She saw no one, just things. But Joana had the impression that those things were looking at her and listening to her.
— Which way is the hut? How will I find the way? — she asked herself.
Then, she saw a star in the sky, slowly heading in the direction of the forest. She began following the star. When she reached deep into the forest she heard footsteps. The sound of the footsteps was getting closer. Then she saw a very tall figure coming towards her between the pines. The figure stopped in front of her and she realized it was a king.
— Good evening, — said the king — my name is Melchior. Where are you going alone at this time of the night?
— I'm following the star — said Joana.
— Me too! I'm also following the star — said the king.
They continued on and again, Joana heard footsteps. Another figure emerged from the shadows in the night.
— Good evening! My name is Joana and I am following the star.
— Me too! — said the second king — I am also following the star and my name is Gaspar.
They continued on and once again, Joana heard the sound of footsteps and a third figure emerged from the blue shadows and dark pines.
— Good evening! My name is Joana. We are following the star.
— Me too! — said the third king — I am following the star and my name is Balthasar.
And they continued on together.
Until, they reached a place where the star stopped, above a hut, with no door. Joana saw her friend Manuel inside. He was lying on a bed of hay between a cow and a donkey, sleeping and smiling.



SATB Choir:
The star
I walked in the night,
between silence and cold,
just one secret star guided me.


Score Excerpts